quarta-feira, junho 27, 2007

Lamentável

O benfiquismo foi, pelo menos nos anos sessenta e setenta, um fenómeno verdadeiramente popular na sociedade portuguesa. O Benfica representava a energia, a autenticidade e a ânsia de afirmação de largas camadas das massas populares, nesses tempos de transição política na sociedade portuguesa. Era o tempo do orgulhoso Benfica sem estrangeiros, do Benfica das grandes assembleias democráticas. Nessa altura, de facto, as suas camisolas ganhavam os jogos.
As grandes transformações sociais que o país conheceu a partir de meados dos anos oitenta, com a integração europeia e a introdução dos mecanismos liberais na economia, sucessivamente adiada por 50 anos de Estado Novo e 10 de PREC, marcaram o início de um período de declínio do clube encarnado. O popular foi substituído pelo popularucho. A criação de uma cultura de massas postiça, de mau gosto, ao serviço objectivo de interesses baixíssimos e a mercantilização do gosto popular percorre a sociedade portuguesa de há uns anos para cá. Em nome de uma perversa ditadura do mercado, tenta-se impor um modelo único de oferta cultural.
O Benfica, precisamente pela sua raiz popular, rapidamente se tornou refém deste mundo ou sub-mundo. Todos os valores em voga, como o novo-riquismo, a alarvidade, a ostentação, a falta de decência, a lei da selva e o populismo mais temerário e sem vergonha, tomaram conta do Benfica. Cada presidente é, nesse aspecto, pior do que o anterior. E as camisolas, em vez de ganharem, agora fazem perder os jogos.
As grandes novidades do defeso demonstram bem esta realidade. A fita da OPA, as incríveis declarações de Berardo sobre Rui Costa, a sucessão de mil e uma novas contratações para a equipa de futebol, a insistência na novela Carolina Salgado, agora com o anúncio da realização de um filme de João Botelho e, para rematar, as declarações do sr. Vieira sobre Pinto da Costa, são sucessivas demonstrações do que representa o benfiquismo dos nossos dias.
A tirada de Vieira sobre o presidente do Porto é então do mais rasteiro mau gosto. Confrontado com as palavras do seu antigo amigo e mentor, Vieira disse que é "o estrebuchar de um morto". Esta afirmação é feita, note-se, por uma pessoa que tão impressionável se revelou com a morte, na altura em que se tratou de explorar sem pudor o desaparecimento trágico de Féher. Numa palavra, lamentável.